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A Doença Celíaca na vida da Ernestina Gomes

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Conheça a história da simpática portuguesa Ernestina Gomes.  Obrigada Ernestina!

“Hoje, com 57 anos, a DC faz parte da minha vida e estou devidamente informada sobre ela, estou certa que a componente genética tem a sua influência, dado que dois familiares próximos foram vítimas de doenças associadas a esta condião: o meu avô materno faleceu de cirrose hepática não alcoólica e um primo em 2º grau de Doença de Crohn, num tempo em que estas doenças eram praticamente desconhecidas. Com toda a informação que fui adquirindo ao longo desta caminhada e pela pesquisa no seio da família, acredito que estes meus familiares pudessem ter tido DC que, devido à falta de conhecimento da época e à falta de diagnóstico certo, evoluíram para doenças mais complicadas e fatais (quero aqui ressalvar, que segundo testemunho da minha mãe, o meu avô nem sequer bebia álcool). Por outro lado, o meu filho foi igualmente diagnosticado com doença celíaca, já na idade adulta. Chamo por isso a atençaõ para que despistem a doença aos vossos filhos e outros familiares diretos.

 No meu período da adolescência, por volta dos 15/16 anos, sofri de gastrite, fruto da ansiedade e do sistema nervoso, segundo opinião médica. Apesar de comer bem, fui sempre magra e por volta dos 35, comecei a sofrer de enxaqueca e hipotiroidismo, com consequente adenoma da tiroide. Após uma operação de retirada de um ovário, engordei 11 quilos e passei de 45 para 56 quilos e sentia-me bem, sem problema nenhum.

 Por volta dos 42 anos, comecei a emagrecer repentinamente, a ter problemas digestivos, irritabilidade, dores musculares, menstruações irregulares e abundantes, cólicas e algumas diarreias pouco frequentes (devo dizer que a diarreia foi dos sintomas menos acentuados), e um extremo cansaço, quase me arrastava para fazer o que quer que fosse, assim como uma grande falta de energia. Não me lembro de quanto tempo andei assim, mas um dia ao levantar-me sofri três desmaios. Fui então à médica de família que me mandou, de imediato, fazer análises, através das quais me foi detectada uma anemia.

Tomei suplementos de ferro durante meses, mas como os sintomas se agravavam, estando com alguma icterícia, repeti as análises e a anemia estava já a 8.1 com o proteinograma e alguns anticorpos, (não recordo quais), muito alterados. Fiz uma endoscopia, sem biópsia, que acusou inflamação. Fiz também várias ecografias, que não detectavam nada de grave, logo não me davam solução, pelo que nem sequer fui encaminhada para a consulta de gastrenterologia. Resolvi, então, consultar um gastrenterologista a título particular na Ordem do Carmo, por sinal especialista em Doença de Crohn. Fiz uma série de análises para despiste de algumas doenças, entre elas a hepatite B e C e a doença de Crohn, mas todas deram resultado negativo. Fiz um exame ao intestino por enteróclise, que foi o pior exame da minha vida, uma verdadeira tortura (na altura ainda não existia a bendita cápsula endoscópica) e que acusou uma inflamação inespecífica na mucosa. Fiz ainda uma TAC e uma colonoscopia, que não apresentaram nada de anormal.

Como nessa altura o médico ia de férias e tinha chegado à conclusão que eu tinha uma doença auto-imune, medicou-me com cortisona para aliviar os sintomas e assim melhorar um pouco a minha qualidade de vida. Com a 1ª dosagem de 60 mg senti logo uma enorme diferença, recuperei a energia, o apetite e todos aqueles sintomas desagradáveis desapareceram como se não tivesse nada. Regressado de férias, o médico fez-me ainda outras análises, entre estas a tipagem genética para a doença celíaca que foi negativa. Não me recordo, para além de HLA DQ8, quais os genes estudados pelo que talvez hoje em dia se estudem mais genes, permitindo um diagnóstico mais preciso.

Perante isto, e depois de me ter virado do avesso, ter perdido horas de volta do meu processo, explicou-me que eu tinha uma doença auto-imune (inclusive enumerou-me uma série delas, à excepção da DC) e disse que eu teria de tomar cortisona para toda a vida. Perante as minhas dúvidas e questões, porque eu achava que qualquer doença tem que ter um nome, desenhou-me um esquema, explicando que as vilosidades da mucosa que absorvem os nutrientes estavam achatadas e, por isso, nada era filtrado. Estando ele tão perto da solução, ainda hoje não entendo porque não chegou ao diagnóstico. (Talvez por que a genética era negativa).

Como me estava a sentir muito bem, fui tomando a medicação de cortisona, recuperei o meu peso de 56 quilos e assim continuei durante quatro anos sempre vigiada e com a dosagem de cortisona já só nos 5mg. Na verdade fui-me aguentando, pois a cortisona só mascarou a doença, porque quando comecei o desmame da medicação, os sintomas voltaram, o emagrecimento foi muito rápido e as dores musculares e articulares tornaram-se insuportáveis, com uma mucosa cada vez mais degradada. As análises continuavam a reportar anticorpos alterados e andei assim durante mais um ano, quase a ver-me desaparecer dia após dia, quase a chegar aos 40 quilos.

Como o médico me queria tratar com imunossupressores, com o que eu não concordava, disse-lhe que ia procurar uma segunda opinião. Fui então à minha médica de família e pedi-lhe para me enviar para a consulta de gastrenterologia do Hospital Pedro Hispano e aí voltei à estaca zero: novas análises com resultados anormais nas transaminases e aumento das imunoglobulinas. Isto levou o novo médico a suspeitar de hepatite auto imune, pelo que fui sujeita a uma biópsia ao fígado que, felizmente, foi negativa. A seguir fiz uma colonoscopia com resultado negativo também.

Descartadas certas doenças, ele partiu então para as análises anti-gliadina e anti-endomísio que estavam positivas, sendo depois a DC confirmada por biópsia. Naquele momento, estando ainda física e emocionalmente afectada, não pude conter as lágrimas, porque finalmente tinha encontrado uma “bata branca” que conseguiu chegar ao diagnóstico certo numa data memorável para mim, 16 de Abril de 2005.

Porém, apesar da dieta rigorosa imediatamente posta em prática, alguns sintomas digestivos persistiam e a recuperação era muito lenta, devido ao mau estado da mucosa, pelo que o médico suspeitava que poderia ter já DC refractária. De novo, falaram-me em corticoides e imunossupressores, o que não me convencia. Eu não queria ficar dependente dessa medicação violenta e, por isso, resolvi pedir a opinião de um gastrenterologista, pai de uma amiga minha, que me arranjou uma consulta no Hospital Santos Silva em Gaia, onde trabalhava.

Levei todo o meu historial de análises e exames que tinha disponível, mas repeti análises e biópsia, por cápsula endoscópica, que reconfirmaram a DC e a consequente e acentuada degradação da mucosa. Como os sintomas persistiam, fui enviada para a consulta de nutrição, para me certificar que a dieta estava correcta; perante as minhas queixas, resolveram fazer-me o teste da intolerância à lactose, que acusou intolerância moderada. Retirei então os produtos lácteos, e os sintomas começaram a desaparecer aos poucos pelo que fui recuperando a minha energia, a minha alegria e a boa disposição. Depois, fui notando que sempre que comia certos alimentos, sentia mau estar abdominal e continuava a ter enxaquecas. Comecei a fazer um diário para conseguir descobrir quais eram os alimentos que me provocavam intolerância e foi assim que cheguei à conclusão que, para além dos cereais proibidos, não tolero alimentos ácidos, algumas leguminosas e alguns peixes gordos. No entanto, a enxaqueca continua a ser a minha companheira desta longa caminhada, é a herança que a DC me deixou.

Refiro também que a partir da retirada da lactose e com um maior equilíbrio do meu lado emocional, fui recuperando peso mais rapidamente até que aquele estabilizou. Foi um percurso longo, com muito sofrimento físico e emocional, mas que não foi em vão. Provou-me que por mais obstáculos que possamos encontrar no trajecto da nossa vida, nunca devemos desistir, temos que acreditar sempre. O meu caso teve um desfecho feliz, graças à minha força de vontade, persistência, e apoio de familiares e amigos que estiveram sempre presentes nos momentos menos bons, e, claro está, aos médicos certos que me ajudaram. Tudo isto me fortaleceu ainda mais e hoje vivo e vejo a vida com muito mais tranquilidade, vivendo um dia de cada vez, agradecendo sempre a oportunidade que tive de ter chegado ao diagnóstico e o ter superado evitando um desfecho mais trágico, como o que tiveram os meus dois familiares.”


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